sexta-feira, 15 de maio de 2009

Elitismo



Se nos pormos a questão do que significa qualquer tipo de estudo ou aprimoramento veremos que necessariamente se produz uma iniciação progressiva que nos vai afastando da nossa compreensão básica até modos mais complexos e técnicos que nem podiamos imaginar de início. Acontece em tudo. Podemos imaginar que as matemáticas só são um pouco de geometria e álgebra até que vamos descobrindo relamente o que são. O mesmo podemos ver em todas as actividades humanas, desde a biologia até a física passando pela engenharia, a literatura ou a pintura. Esta é uma das insistências de Sócrates nos diálogos platónicos. Todos os saberes conduzem a aqueles que os praticam a serem expertos naquilo ao que se dedicam com maior ou menor fortuna. Não pedimos a qualquer pessoa que nos arranje uns sapatos ou vamos descuidados confiar as nossas mercadorias a um navegante de duvidosa reputação. É tudo assim nas artes e ofícios de diferente tipo excepto naquilo que é mais essencial para o homem: a organização da sua própria vida. Aí as pessoas pensam que podem poupar qualquer esforço e que não necessitam investir um trabalho equivalente a qualquer outra atividade da vida.


Por exemplo, as pessoas permitem-se opinar sobre ética e filosofia com a mesma ignorância que se opinassem sobre física quando podem ignorar, de facto, quase tudo o relativo ao sentido destas disciplinas. Considera-se que isso é democrático mas o contrário é rapidamente tildado de elitismo. Conste que não digo isto com a ideia de que as pessoas se inibam de opinar sobre estas questões quanto de que reparemos nesse facto, que tenhamos consciência dele.


De outra parte estão as pessoas que cultivam um certo esoterismo com relação aos diferentes saberes e que não sabem, realmente, do que estão tratando. O esoterimo é inerente à vida e não necessita ser cultivado. Mais bem precisamos ser claros, abertos e diretos pois as dificuldades inerentes à experiência humana são mais que suficientes como para embrulhá-las de mistério e de obstáculos intencionados. Não procuremos o sofrimento, ele vai vir por si próprio, provavelmente. Não é preciso que ninguém nos prove, mais bem deixemos nós de pôr a prova o que não podemos medir senão grosseiramente.


Sou elitista, no sentido em que devemos tentar fazer as cousas melhor em todos os aspetos. Ao mesmo tempo devemos investir tempo, intenção correta, atenção e dedicação à compreensão adequada, harmónica, da nossa experiência e da nossa vida.


Só quando tentamos cumprir ajeitadamente no nosso âmbito profissional e pessoal podemos intuir a necessidade de algo mais. Ou podemos compreender a insatisfação que isso por si só pode ser. Via geral as pessoas que cumprem os seus deveres básicos e têm desenvolvido um sentido comum que não tenta revolucionar o mundo podem buscar mais satisfactoriamente uma sabedoria que os completa como seres humanos. É, quando menos, um estado que deveriamos ver como uma base necessária.


Em certos círculos, que se consideram esotéricos, desestima-se às pessoas “normais”, às que não chamam atenção sobre si mesmos pela sua “genialidade”, a sua forma de ser interessante, etc. Mas são estas pessoas “normais” as que formam a base da verdadeira promesa, do verdadeiro optimismo, e da verdadeira realidade de que algo permanente se transforme no ser humano.


Sou elitista porque as pessoas que cumprem com os seus deveres enfrentando-se às dificuldades da vida sem abandonar a consciência de “algo mais” e lutam por estes valores tentando superar-se a si mesmos são a minha verdadeira família, família próxima e anónima, família humana, singela e viva.


A elite possível ou real.

2 comentários:

Unknown disse...

Parabéns pela reflexão, especialmente pelo acento posto sobre a necessidade de organizarmos a própria vida com o esforço necessário. Cá não se trata de livros de autoajuda, mas de ajudar-se a um próprio, configurando algum tipo de conscientização do que as cousas são e o modo em que nos relacionamos com elas (com a realidade). Acho que aí a primeira tarefa é compreender que devemos gerir a nossa própria interioridade, as emoções, os sentimentos. E, de novo, não deixá-lo para que outros o façam, mas fazê-lo nós próprios.

José António Lozano disse...

Graças, Oscar.
E parabéns por Editora Humana, da que já me falou Pedro Casteleiro. Gosto muito do nome. Desejo-vos o melhor!