segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Idries Shah


Hoje há treze anos que morreu Idries Shah. Sempre lembro esta data, que aliás tenho ligada também ao nascimento de Herberto Helder e Paul Celan. De maneira que hoje queria recordar a este homem que supus para mim a abertura a uma experiência de aprendizagem que não tem comparação possível com qualquer outro autor prévio, que eu tivesse lido. A sua influência foi decisiva e para o resto da minha vida.

Eu era estudante em Santiago quando entrei um dia na livraria Folhas Novas. Era um habitual da mesma, sobretudo depois de que me tivessem pagado a bolsa. Aquele dia encontrei num lugar inabitual e meio escondido um livro intitulado Aprender a aprender, da editora Paidós. Fiquei surpreendido pelo título, folhei o livro e comprei-no mas ficou durante meses numa gaveta. Quase um ano depois comecei a lê-lo e já não parei de procurar os textos de Idries Shah.

Cinco anos depois de tudo aquilo encontrei com o seu irmão, Omar Ali Shah, a quem "abri o meu coração". E uns meses depois, em Novembro, morria Idries Shah. Lembro que eu me encontrava em Lisboa naquela época. Não soube da notícia até Maio do ano seguinte numa viagem que fiz à Corunha e experimentei uma especie de choque.

Enfim, que posso dizer de Idries Shah? Que leiam os seus livros. Não encontrarão a um "oriental" ou a um "guru" ao estilo do orientalismo esotericista. Encontrarão um homem que transmite factos, informação e sabedoria para que as pessoas possam tecer com os seus próprios esforços um caminho de evolução. Um elemento essencial é como as pessoas podem utilizar tudo isso para conseguir ter uma relação de aprendizagem com um mestre. Ele fez um trabalho preparatório e criou um clima para a aceitação de ideias que de outro modo não poderiam ser digeridas.


Como ele costumava dizer: " A cor da água depende do copo que a contém".


Não deveriamos ficar a comparar copos mas aprender a beber a água ali onde está. Como reza no seu epitáfio:


"Não repares na minha forma exterior mas apanha o que está na minha mão"

domingo, 22 de novembro de 2009

Carta a um amigo


Querido amigo:

compreendo as tuas inquietações sobre o devir da humanidade. Com certeza são as mesmas que as minhas. Provavelmente no íntimo desenvolver-se do quotidiano muitas pessoas se ponham essas mesmas questões que tu tens. Como agir? Que fazer?. Há uma estranha inércia dos tempos, por vezes parece que ninguém tem interesse em nada, que tudo é um ir cobrindo aparências, à espera do seguinte protocolo burocrático, como se a vida fosse simplesmente uma cousa atrás da outra. Mas que resposta posso dar-te? Não tenho nenhuma. Na realidade não tenho uma ideologia qualquer, não sou galeguista nem nacionalista nem iberista nem europeísta. Não posso entusiasmar-me com as "novas" políticas e não acredito que os jornais me tragam a "Boa Nova". Considero isso (as diferentes etiquetas ideológicas) falsos problemas que me evadem do meu plano de imanência. Devemos ser realistas com relação ao nosso lugar no mundo. Sou uma pessoa normal, que dá aulas de secundária de algo pouco prático (filosofia) e tenho uma família com a que procuro conviver em harmonia. Tenho interesses culturais e humanos de autoformação, procuro desenvolver o meu civismo dentro de uns limites comuns e não destaco por nada especial. A máxima incidência pública são blogues entre amigos. De maneira que a questão sobre projectos e planos de futuro de carácter global são grandes demais para mim. Vou vivendo, simplesmente. Acredito que a riqueza que posso compartir com outras pessoas é este ir vivendo sob a consciência tácita de uns valores essencias que eu chamo de Tradição. É uma preocupação muito pragmâtica que não me permite envolver-me em Ideais porque tento aprender diariamente a ser um ser humano no contato diário com outros seres humanos: e isto é muito mais importante e provavelmente marcante que teorizar sobre grandes planos. Digo isto com todas as limitações inerentes a uma afirmação deste tipo.
Se conservamos o nosso ideal interno na nossa imanência poderemos fazer realmente boas cousas, tal e como o homem verdadeiro dos taoístas. Significa um saber fazer sem grandes planos, ligado ao desfrute dos acontecimentos e dos encontros. São os políticos, intelectuais, etc. os que carregam com o peso de "representar" a outros. Considero que a única política verdadeira está em apresentarmo-nos como seres humanos desde a nossa experiência real, não imaginada ou desejada. Conheci um velho mestre (Omar Ali Shah) que punha o exemplo da "gota de azeite". Sobre um papel pomos diversas gotas cá e lá. Depois de um tempo o papel absorve o azeite que se vai extendendo até entrar em contato. Não há luta pelo controle, há um desenvolvimento progressivo e harmónico. Em vinte anos as mudanças podem ser decisivas e quase não teremos reparado nisso, como ver a nossa fotografia de um tempo atrás. É o que se conhece no sufismo como "técnicas do tingido". Por isso é tão diferente a sabedoria oriental e tão necessária hoje. Nós podemos construir isso mas não é preciso lutar contra nada, simplesmnete temos que nos esforçar em experimentar e aprender de maneira que o "sentido comum" se torne algo concreto e efectivo. De súbito compreendemos que ver com claridade só nos obriga a ter um pouco de esse tão denostado sentido comum. Devemos deixar de ser heróis, esforçados prometeus. Esse tempo já passou.Não há melhor exemplo que a experiência budista neste sentido, não tenho a menor dúvida. Provavelmente a experiência civilizadora mais impressionante da história humana.
Ressumiria dizendo: deixemos de fazer planos, vivamos incrementando as nossas possibilidades, as nossas experiências mas abandonemos toda ideia de controle e dirigismo: na verdade não podemos controlar nem dirigir nada.

Só um poema final dos índios da pampa argentina:


Nuestra llanura.

Esta es, hermanos, nuestra tierra ancha
donde nada se detiene, donde todo pasa,
y el viento no duerme y el horizonte anda

Esta es, hermanos, nuestra tierra ancha,
vivimos en toldos. Cuando el tiempo cambia,
cambiamos los toldos. Así es nuestra vida.

Esta es, hermanos, nuestra tierra pampa
No es tierra estrecha, la tierra es bien ancha.
Por mucha que quieran a todos alcanza.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Crenças


Contrariamente ao que se pensa as religiões não são algo fixo, estabelecido e dogmático. Quer dizer, podem usurpar essa função mas, com que direito?. Sempre me surprendeu a maneira em que Ocidente cedeu terreno perante o direito eclesial e romano. Não se trata de ser isto ou aquilo mas de pensar o seguinte:



Qual é a legitimidade de este ou de aquele para dizer que eles são os únicos representantes de tal ou qual religião?



Por outro lado, que é relamente a religião?. Porquê aceitar uma determinada visão?. Em que medida todos somos responsáveis da nossa tradição e não podemos desentender-nos dela?

De maneira que, por exemplo, porquê rejeitar ou aceitar algo sem termo-nos posto a questão prévia de uma verdadeira investigação? Se Muhammad dizia que o Corão tinha sete níveis diferentes de significação segundo o desenvolvimento da pessoa, que quer dizer com isso?



E se, por exemplo, a tradição budista acredita na reencarnação, que significam estes versos de Nagarjuna, um dos mais prominentes budistas da tradição Mahayana:



Supõe-se que a pessoa se reencarna

Mas quando um procura essa pessoa

Não pode encontrá-la, nem nos seus cinco agregados

nem no âmbito dos sentidos, nem dos elementos

Então, quem é o que se reencarna?



Damos por feitas as cousas como se estas tivessem uma identidade estável, de uma vez por todas. Que interessante que estas mesmas considerações as possamos encontra em Spinoza, Hume ou Nietzsche.



Somos o que comemos


(Provérbio)