sábado, 14 de fevereiro de 2009

De círculos e quadrículas.


Há anos encontrei um livro sobre arquitectura muito crítico com os desenhos teóricos e abstractos que modelam boa parte da arquitectura do século XX. Lembro que o autor era americano, com um grande sentido comum, boas doses de singeleza e algumas doses de humor. Fazia uma reflexão em voz alta sobre o que ele considerava a estrutura de uma cidade ou uma vila tradicional e a comparava com as cidades construídas artificialmente na actualidade. Constatava uma diferença fundamental: nas primeiras havia ambiente e vida; as segundas pareciam mortas. A que se devia isto?

O que este homem vinha defendendo é que nas vilas tradicionais as conexões seguiam uma tendência reticular enquanto que nas cidades construídas por arquitectos modernos muitas delas seguiam um modelo arvorescente e hierárquico. Não eram modelos puros mas eram tendências. Quando a vida se organiza a si mesma por um padrão intuitivo e pragmático adopta formas vivas que se enlaçam com os interesses da gente: a praça, os comércios, as lojas, os parques, os negócios , as escolas inserem-se em contacto mutuo. Nas outras cidades o que acontecia era uma especialização: o parque num lugar, a escola noutro, o comércio noutro. O resultado era que as interacções eram muita mais variadas, a mescla mais produtiva, o sabor e o calor humano mais vivo numa sociedade tradicional que numa cidade moderna.

Lembro-me disto porque a disposição dos lugares, a articulação dos espaços é essencial para que se possam dar novas formas de pensamento e interacção. É por esta razão que eu chamo ao âmbito do meu trabalho a quadrícula. Sou professor de ensino secundário e a burocracia mental vai em aumento. O pensamento que se pode tentar transmitir na situações actuais da estrutura escolar sigue um padrão acumulativo e linear, de compartimentos estanques, deixado ao logro e à capacidade eventual de situações que dependem mais do acaso que da possibilidade de fundamentar um ensino coerente e abrangente. Sem dúvida há muitos mais factores que os geométricos ainda que estes são sintomâticos. Uma das evidências mais notórias do fracaso na escola actual é que se segue um estilo repetitivo. Há uma uma repetição continua durante anos das mesmas cousas e uma assimilação mínima das mesmas. De quem é a culpa?

Bem, basicamente são os políticos os que decidem como organizar tudo isto. Eles podem querer fazer cousas maravilhosas e inovadoras mas sempre o querem fazer desde acima. Liquidam a autonomia e a construção desde abaixo. Por outro lado os professores são filhos do processo reprodutivo da quadrícula e tendem a agir segundo o que eles mesmos aprenderam a fazer, qualquer outra cousa provocaria ansiedade e insegurança. É normal se considerarmos todo o funcionamento da sociedade, eles são, somos, uma parte da mesma. De facto uma tentativa experiencial radicalmente diferente não pode ser implantada de súbito porque deve ser construída pouco a pouco, passo a passo como aprender a dançar ou a fazer trabalhos manuais, e deve ser feita entre todos. Agora bem, isto não vai acontecer porque não é um processo isolado. Teria que ser parte de um processo presente já na sociedade que implicaria uma quantidade de sabedoria que não está disponível agora mesmo. De maneira que ainda teremos muito tempo para nos queixar da educação. O essencial seria que o processo educativo não eiva-se a capacidade e o talento, a criatividade das pessoas mas é justamente isso o que está ausente do sistema escolar cada vez mais notoriamente.
Penso que neste século haverá mudanças notáveis e, para variar, grandes sofrimentos da população. O sistema social é um sistema de produção e reprodução de identidades isoladas mas o futuro humano joga-se numa construção colectiva de consciências conectadas e criativas. E isso não se pode, hoje, aprender na escola.
E que é o que se opõe à quadrícula? Bem, em oposição à quadrícula está o círculo!




2 comentários:

Anónimo disse...

Amigo José,

Achei interessante este seu apontamento sobre o desenho das cidades tradicionais e modernas.
O desenho final é bem ilustrativo...
Teremos ainda que esperar muito para que a criatividade volte às escolas?!
Teremos que ser nós inconformistas e inconformados a ir subvertendo o sistema. Aula que não tenha a utopia e o "sonho" da quadratura do círculo, não é aula...

Um beijo e boa semana

Saudades

José António Lozano disse...

Concordo consigo.
Provavelmente eu fui muito categórico na maneira de exprimir as ideias. Sempre se podem fazer cousas muito interessantes mas penso que aprendendo um modo de agir inetmpestivo, ligado aos acontecimentos sem tentativas totalizadoras e totalizantes, mais como uma forma de cultura, uma inspiração. Neste sentido desligando-se de expectativas e centrando-se no dia a dia e no aqui e agora.Em realidade é um pouco como na vida mesma. Como diria um velho taoista: o problema não está em fazer mais projectos e leis e sim em activar o funcionamento da nossa própria humanidade onde também é importante o sentido comum. Quando um professor põe o que tem e actua com sinceridade sempre trasnmitirá uma positividade e um sentimento de logro que é muito valioso para as pessoas mais novas que o facto de terem aprendido isto ou aquilo (algo que é fácil de esquecer). Há professores que não esquecemos.
Um forte abraço