quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Identidade

Livraria Lello, no Porto

Gostaria de lembrar uma pequena história na que me vi envolvido há uns cinco anos quando se celebrou um simpósio na cidade de Porto dedicado a José Marinho. Eu apresentava uma comunicação intitulada Ética, paideia e anagogia que versava sobre a perspectiva que Marinho dava à pedagogia da filosofia. Para ele havia uma eiva tanto na tradição procedente da teologia como na ciência moderna e tentava restaurar a noção de magistério espiritual e iniciação. Ele foi o filósofo português e um dos europeus mais profundos e mais "filósofo", não há duvida.

Pois bem, eu tinha enviado um título provisório que tratava sobre os relacionamentos dos diversos "platonismos" e o pensamento de Marinho. Algures fazia referência ao sufismo e aos platónicos da Pérsia, também aos Ishraquiyum ou filósofos orientais do sohravardismo mas depois não falei disso. As informações dos ponentes eram porém que alguém procedente da Galiza ia falar sobre isso.


Eu devia dar a minha conferência à tarde, depois do almoço. Os conferenciantes fomos convidados, não eramos muitos, e tomamos uns vinho do Porto numa salas pertencentes a um antigo edifício da Universidade. Durante mais de duas horas falamos e intercambiamos pareceres de diverso tipo até que chegou o momento de voltar para a sala de conferências. Eu era o primeiro em falar. No passeio até a Faculdade encontrei-me à minha beira com um dos conferenciantes, um padre muito fervoroso nas suas convições. Começamos a falar e depois de um tempo disse-me:


- Parece que vai falar um que vem da Espanha sobre as relações do pensamento de Marinho com o pensamento islâmico. Que terá a ver uma cousa com a outra?


- Sim, isso parece, respondi. E sorri.


E continuamos a falar sobre diversas questões não estritamente filosóficas. Por exemplo, este homem estava muito interessado por saber quem era um acompanhante de um amigo meu, aliás o editor das obras completas de José Marinho. Não entrava dentro dos seus cânones académicos, provavelmente, um homem de grandes barbas e aparências boémias, Fritz, meio alemão nascido em Angola e que acompanhava ao seu amigo da adolescência no país africano simplesmente por interesse pessoal, sem mais assuntos.


Chegou o momento de entrar na sala e não sei qual seria a face deste bom padre quando fui apresentado como o galego, o único "estrangeiro" ali presente, e que tanto incitava à sua curiosidade.


Durante mais de quinze minutos foi falando comigo e nunca reparou que eu podia ser esse homem que tanto o preocupava!


Uma vez Nasrudin entrou numa loja e o homem disse-lhe:


- Bom dia!

- Um momento, disse-lhe Nasrudin, o senhor já me tinha visto antes?

- Não, nunca.

- Então como sabe que sou eu?

1 comentário:

Esdedesear disse...

He ahí un sencillo ejemplo del pensamiento subjetivo, el otro, si es "mi" interlocutor,nunca es otro, soy yo mismo, con mis atribuciones.Por tanto jamás podrá ser ese "otro" desconocido, un tercero del que hablar y sobre todo desestimar. Es impresionante la magia del pensamiento que conmina a no salir de la propia esfera para reproducirse. Un abrazo.