“Quando
o eu chora porque perdeu, a essência ri porque encontrou”
Dito
Sarmouni
Ler
Espinosa ou Nietzsche tem as suas vantagens mas existem diferentes
maneiras de o fazer, naturalmente. Lembro que um dos autores que mais
me influenciou foi precisamente Nietzsche, e foi o que me levou a
procurar fora dos limites da experiência ocidental. O que comprovei
com a passagem do tempo é que algumas pessoas que me tinham
acompanhado na reflexão do pensamento, digamos, de onda nietzscheana
não compreendiam os meus ulteriores passos. Não compreendiam porque
eu me interessava no sufismo, por exemplo. Ou não compreendiam o meu
interesse pelo que foi o meu contacto inicial com a obra de Carlos
Castaneda. Quer dizer, estavam dispostos a compreender até um ponto:
como uma curiosidade pessoal, como parte do que se podia falar com
umas cervejas ou para deixar voar a fantasia, quase como uma
peculiaridade tolerável em mim que já se passaria. Só que no meu
caso era algo essencial. Uma cousa levava a outra, e não era nem foi
algo ocasional. Tem a sua lógica interna e há um momento em que as
pessoas estamos sós perante as nossas decisões e perante o nosso
pensamento. Não há ninguém que nos acompanhe na compreensão do
que realmente compreendemos. Por outro lado, deve ser assim. A
maioria das pessoas olham para o lado para ver se têm alguém que os
acompanhe ou alguém que lhes faça um aceno de compreensão, ou
mesmo alguém a quem seguir. Mas um deve seguir o seu próprio
caminho. A notícia pela que todos esperamos, o que devemos
encontrar, não sairá publicado nos jornais de hoje nem de amanhã.
Ninguém virá à nossa casa trazer-nos a esperança cumprida. Por
isso lembro a frase do meu avô no seu quarto com noventa e oito anos
dizendo:
Toda
a vida esperando, esperando quê?
A
vida dos seres humanos assemelha-se muitas vezes a uma espera, a um
adiamento irracional de que algo definitivo acontecerá em qualquer
momento, desde o apocalíptico até Deus sabe que. Mas o tempo passa,
simplesmente. E então já somos velhos. Compreendemos algumas cousas
que seriam úteis se tivéssemos quarenta ou cinquenta anos menos, e
então há que despedir-se, ou despir-se, não sei, do cenário.
Cìao.
Uma
das questões que está por debaixo disto é o tema das crenças.
Para algumas pessoas tudo se reduz a uma questão de crenças.
Particularmente certo pensamento filosófico moderno vê a velha
filosofia e a sabedoria tradicional como uma língua morta, algo que
só se encontra em livros não em pessoas. E se alguém ousa
reivindicá-la será situado ao mesmo nível que as religiões ou as
opiniões heterodoxas. É uma forma de sofística encoberta, que
trabalha com boa consciência. Provavelmente o que esteja em questão
seja a próprio sentido da identidade pessoal, do familiar, de
preconceitos encobertos que são a sólida base do nosso sentido da
existência. As pessoas queremos modificar a realidade com arranjo
aos nossos preconceitos, e estamos dispostos a aprender mais com o
fim de defendê-los melhor. Mas aprender significa morrer também a
tudo o que é comum e familiar. A partir de uma certa altura o novo
já não entra. Simplesmente é adaptado e interpretado com arranjo
aos nossos interesses. Mesmo que estejamos francamente necessitados,
buscamos “causas” que nos justifiquem na nossa clara inadequação.
Se
olharmos o sistema cultural no que nos encontramos devemos
compreender que ainda estamos sob os efeitos ( e a vivência) dum
fundamentalismo político e económico, que causou estragos durante
todo o século XX. Ver como as pessoas substituem um fundamentalismo
por outro pensando que superam as situações é triste. Basicamente
existe uma obcecação ideológica. Tudo é visto desde algum tipo de
focagem”ideológica”. A política não é mais do que isso.
Muitas pessoas podem lembrar seguramente o significado obsessivo e
fanático que o “político” teve durante o passado século.
Alguns ainda põem as suas esperanças em algo tão abstrato e
carente de conteúdo como os apelos ao “compromisso” político de
algum tipo. É uma estafa, nem mais nem menos. Somos estafados porque
nos entregamos a uma indulgência que consiste em somar fraquezas.
Somamos medos e esperanças. Porque substituímos a nossa intuição
pelos nossos medos. E esperamos, contra toda esperança que, por fim,
o carrasco nos compreenda. E não há dúvida que até se pode voltar
humanitário e matar-nos sem sofrimento. Que lhe custa?
Muhammad
Yunus, tal e como vemos no post anterior, exprimia a sua tentativa de
convencer ao diretor do banco do su projeto e como gastava energias
nisso. Porque se tinha voltado tão importante para ele essa pessoa?
Porque queremos convencer a outros do que só podemos fazer nós?.
Navegar é preciso e, na verdade, não vale a pena convencer ninguém
de nada, porque: que importam os crentes?. As pessoas confundimo-nos
sobre isto. Mas o sistema baseia-se nesse tipo de condicionamentos. E
as pessoas adulamo-nos pensando que alguém ou algo está
“interessado” em nós. Certamente há muitas cousas e pessoas
interessantes e interessadas cujo oferecimento consiste numa sedução
medida, mas o que está sendo oferecido é algum tipo de promessa
velada ou manifesta. Mas a única promessa que vale a pena é a que
nos fazemos perante nós mesmos, assumindo a nossa responsabilidade
e, sobretudo, assumindo que o valor das cousas depende do que nós
ponhamos nelas.
Uma
política, um sistema, uma organização, um movimento, podem ser
armadilhas que envolvem as pessoas num alheamento de si. Funcionam
como supostas garantias de que estamos a fazer qualquer cousa que
merece a pena, que o nosso tempo está a ser investido como parte de
um negócio rendível. Entretanto surge o auto-engano na procura de
signos e indícios que nos prognosticam que o nosso caminho é o
correto. Mas realmente não há tais signos. Simplesmente os
convocamos, da mesma maneira que nos obcecamos com um número e
acabávamos por vê-lo até na sopa. De aí concluímos que sairá na
totoloto. Muito do idealismo político e religioso não é mais do
que isso.
Realmente
não há garantias. Somos as pessoas, individualmente, as que nos
temos que fazer cargo da tradição humana. Mas é fácil adular-se
pretendendo pertencer a algum tipo de nobre escola de pensamento,
ideologia, religião, tradição ou o que for. Encobrimos com o seu
prestígio as nossas próprias falências. Recordando um velho dito
taoista:
“O
homem incorreto com o instrumento correto resultado incorreto mas o
homem correto com o instrumento incorreto resultado correto”
Quando
compreenderemos isto?
É
mais fácil deixar-se levar pelas próprias fixações do que engolir
certas verdades que nos “deprimem” ou que nos causam inquietação
porque existe a falsa convicção do “pensamento positivo” (de
origem fundamentalmente norteamericana) que confunde a estimulação
do egocentrismo e as emoções fortes e histéricas com a verdadeira
positividade que, realmente, pode ser uma ruína para esse negócio.
Enfim,
que por hoje me despeço com um antigo poema que fala de morte e
despedida, e que foi em mais de um aspeto premonitório. Deveríamos
aprender a nos despedir, a nos despir dos atos e da nossa vida e,
recordando ao velho Don Juan de Castaneda, ter a nossa morte como
conselheira.
ADEUS,
AMIGOS.
adeus
amigos e adeus poemas
a
tarde cai tão leve e tão sincera
que
tiro o lenço duma lágrima serena
e
finjo um sudário de flores e de areias
para
outros mares navega o ataúde
barco
puro de sonhos e de versos
e eu
sinto o velho cadaleito
florir
nas sobrancelhas e nas veias
adeus
poemas e adeus amigos
pouco
dizem as pinturas e as palavras
se o
silêncio das tardes mais antigas
não
soubermos ouvir sem partituras
deixemos
que o vento traga novas
e
rosas de inverno sem melancolia
deixemos
amigos e poemas fóra
fora
da ilusão e da sagaz mentira
diga-se
um adeus sincero e vivo
de
amor e morte por igual nascido
adeus
poemas, adeus amigos.
2
Agosto, 2005
1 comentário:
¡Bellísimo poema!
Bicos
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