Tive a sorte de conhecer ha já muitos anos a Natália Correia em Santiago. Ela era uma grandíssima poeta. Tinha sido convidada para falar sobre a sua visão da poesia e da literatura na Faculdade de Filologia e fez uma enérgica defesa da "poética" como a essência da revolução humana. Ela tinha publicado recentemente um livro intitulado "Todos somos hispanos" e reivindicava uma vocação cultural peninsular. Ela tinha muito claro o vínculo essencial de Portugal com a Galiza.
Casualmente essa noite encontrei com ela enquanto eu bebia um vinho do Porto num pub da zona velha de Santiago. Ela reconheceu-me ao instante e lembrou-se de uma pergunta que eu lhe tinha feito sobre a Galiza e Portugal. Ela disse-me:
- Eu percebi muito bem a sua pergunta mas fui diplomata de mais, eu estava "rodeada".
Piscou-me um olho, deu-me dous beijos e disse-me:
- Quando vaia a Lisboa, pergunte por mim!
Eu ri e imaginei-me chegando a Lisboa e perguntando a qualquer pessoa por Natália. Era engraçado. Mas era tão popular que até podia dar certo.
Aqui deixo o duo de Natália Correia e Amália Rodrígues, que versionou este poema do trovador galego do sêculo XII, Pero Meogo. Natália é a mãe e Amália a filha.
- Digades, filha, mha filha velida
porque tardastes na fontana fria.
(- Os amores ey.)
- Digades filha, mha filha louçana
porque tardaste na fria fontana.
(- Os amores ey.)
- Tardei mha madre na fontana fria
cervos do monte a augua volvian.
(- Os amores ey.)
- Tardei mha madre na fria fontana
cervos do monte volvian a augua.
(- Os amores ey.)
- Mentir, mha filha, mentir por amigo!
Nunca vi cervo que volvess' o rio.
(- Os amores ey.)
- Mentir, mha filha, mentir por amado!
Nunca vi cervo que volvess' o alto.
(- Os amores ey.)
(Pero Meogo, 1192)
Responde, filha, formosa filha:
porque tardaste na fonte fria
Amores eu tenho!
Filha, formosa filha, responde:
porque tardaste na fria fonte
Amores eu tenho!
- Tardei, minha mãe, na fonte fria,
Cervos do monte a água volviam.
Amores eu tenho!
Tardei, minha mãe, na fria fonte;
Volviam a água cervos do monte.
Amores eu tenho!
- Que escondes,filha, por teu amigo?
cervos do monte não volvem o rio.
Amores eu tenho!
Por teu amado, filha, que escondes?
o mar não volvem cervos do monte.
Amores eu tenho!
(Natália Correia, in A Defesa do Poeta)
3 comentários:
Qué linda manera de comenzar mi día, hermosísima voz de Amalia Rodriguez, gracias!
Esta combinação genial de dois monstros da cultura portuguesa enaltece a grandeza de alma de qualquer português que se orgulhe de o ser. Duas vozes lindas que expressam como ninguém o sentir da poesia da vida.
Imaginei logo que o meu pai se passaria por completo com este ponto de encontro entre três coisas que têm muito a ver com a sua forma de estar na vida_a jóia do seu tesouro, a filha formosa que tarda na fonte fria e que não encontra forma de explicar a sua demora, a voz divina da Amalia que transforma em encanto tudo quanto canta e que o leva a viver emoções fortea e finalmente a poesia, o traje de cerimónia da expressão do sentimento. o falar solto da alma, sem embaraço ou constrangimento, como o livre pensamento. declamada por uma voz soberba que arrepia só de a ouvir.
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