segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Amores eu tenho


Tive a sorte de conhecer ha já muitos anos a Natália Correia em Santiago. Ela era uma grandíssima poeta. Tinha sido convidada para falar sobre a sua visão da poesia e da literatura na Faculdade de Filologia e fez uma enérgica defesa da "poética" como a essência da revolução humana. Ela tinha publicado recentemente um livro intitulado "Todos somos hispanos" e reivindicava uma vocação cultural peninsular. Ela tinha muito claro o vínculo essencial de Portugal com a Galiza.

Casualmente essa noite encontrei com ela enquanto eu bebia um vinho do Porto num pub da zona velha de Santiago. Ela reconheceu-me ao instante e lembrou-se de uma pergunta que eu lhe tinha feito sobre a Galiza e Portugal. Ela disse-me:


- Eu percebi muito bem a sua pergunta mas fui diplomata de mais, eu estava "rodeada".


Piscou-me um olho, deu-me dous beijos e disse-me:


- Quando vaia a Lisboa, pergunte por mim!


Eu ri e imaginei-me chegando a Lisboa e perguntando a qualquer pessoa por Natália. Era engraçado. Mas era tão popular que até podia dar certo.


Aqui deixo o duo de Natália Correia e Amália Rodrígues, que versionou este poema do trovador galego do sêculo XII, Pero Meogo. Natália é a mãe e Amália a filha.




- Digades, filha, mha filha velida

porque tardastes na fontana fria.

(- Os amores ey.)


- Digades filha, mha filha louçana

porque tardaste na fria fontana.

(- Os amores ey.)


- Tardei mha madre na fontana fria

cervos do monte a augua volvian.

(- Os amores ey.)


- Tardei mha madre na fria fontana

cervos do monte volvian a augua.

(- Os amores ey.)


- Mentir, mha filha, mentir por amigo!

Nunca vi cervo que volvess' o rio.

(- Os amores ey.)


- Mentir, mha filha, mentir por amado!

Nunca vi cervo que volvess' o alto.

(- Os amores ey.)



(Pero Meogo, 1192)










Responde, filha, formosa filha:

porque tardaste na fonte fria

Amores eu tenho!


Filha, formosa filha, responde:

porque tardaste na fria fonte

Amores eu tenho!


- Tardei, minha mãe, na fonte fria,

Cervos do monte a água volviam.

Amores eu tenho!


Tardei, minha mãe, na fria fonte;

Volviam a água cervos do monte.

Amores eu tenho!


- Que escondes,filha, por teu amigo?

cervos do monte não volvem o rio.

Amores eu tenho!


Por teu amado, filha, que escondes?

o mar não volvem cervos do monte.

Amores eu tenho!


(Natália Correia, in A Defesa do Poeta)

3 comentários:

Cris disse...

Qué linda manera de comenzar mi día, hermosísima voz de Amalia Rodriguez, gracias!

Humberto Gaspar disse...

Esta combinação genial de dois monstros da cultura portuguesa enaltece a grandeza de alma de qualquer português que se orgulhe de o ser. Duas vozes lindas que expressam como ninguém o sentir da poesia da vida.

Dora Gaspar disse...

Imaginei logo que o meu pai se passaria por completo com este ponto de encontro entre três coisas que têm muito a ver com a sua forma de estar na vida_a jóia do seu tesouro, a filha formosa que tarda na fonte fria e que não encontra forma de explicar a sua demora, a voz divina da Amalia que transforma em encanto tudo quanto canta e que o leva a viver emoções fortea e finalmente a poesia, o traje de cerimónia da expressão do sentimento. o falar solto da alma, sem embaraço ou constrangimento, como o livre pensamento. declamada por uma voz soberba que arrepia só de a ouvir.