sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

PANADERIA ANTONIO LOZANO

A meu avô, naturalmente.


Lembro como meu avô fazia verdadeiros esforços por ser um homem sério. Ainda aos seus oitenta e cinco anos ia comprar ele só à loja para se fazer o almoço. Estava viúvo e mantinha uma autonomia invejável. Mas o que lhe preocupava é que era incapaz de estar num lugar sem acabar por contar uma anedota, e criar uma situação engraçada de algum tipo. Algumas vezes era uma gaita na festa e isto, por momentos, chegava-lhe a pesar. Quando reflectia só na casa chegava então à firme convicção de que não podia seguir assim . No dia seguinte saía à rua dirigindo-se à loja ou ao supermercado (ou à tabacaria) e quase não pronunciava palavras, contentando-se com monosílabos, fingindo uma seriedade da que continuamente se tinha que recordar para evitar cair no que considerava uma perda de personalidade. Como ele costumava dizer:
- O que a mim me salvou - e juro que não sei ao que se referia com isto- é que sempre fui mui infantil.
Mas agora com tantos anos às costas a cousa tinha que levar outro rumo. O homem madura, não é?
Saía do portal um dia mais em que não podia continuar a ser o que era, decidido a mudar o seu carácter e a sua maneira de se apresentar no mundo. O certo é que vê-lo sério metia medo e, se não abrisse a boca, facilmente poderia poupar-se de muito contacto humano, que não iria gratuitamente importuná-lo. Mas aquele dia as cousas estavam destinadas de outro modo.
Justo em meio da rua, à saída da sua casa, uma furgoneta (perua) que punha em letras bem grandes.


PANADERIA ANTONIO LOZANO


E dentro, solitária, uma senhora a remexer nuns papéis no lado do co-piloto.
Achega-se meu avô e, todo sério, de jeito imperativo, diz:

-Saia daí, senhora. Esta furgoneta é minha.
- O senhor está tolo. Esta furgneta é do meu homem e minha. Que está a dizer?.

A mulher realmente estaría a pensar que aquele velho enlouquecera.

Mas meu avô, cuma parsimónia digna e teatral, tira o seu Bilhete de Identidade ( DNI) e mostra-o:

- Veja, que põe aqui?. An-to-nio Lo-za-no. E também sou padeiro.

A mulher começa a perceber que tudo é uma pantomima. Relaxa. E começa a rir.
- Aí vem meu marido. Que casualidade!

Era certo, meu avô tinha sido padeiro toda a vida. Como ele dizia, tinha trabalhado em fornos romanos. Isso não era uma delicadeza.
Enfim, o esposo da mulher era Antonio Lozano também. Risos, surpresas e convites a passar por Carral, de onde era o padeiro e onde havia outros da família que se dedicam ao mesmo. A verdade é que nunca antes se tinham encontrado e nunca mais se encontrariam. Mas meu avô chegou aquele dia à nossa casa contando toda aquela história, que por circunstâncias não queridas, lhe fez claudicar ainda durante uns dias da sua seriedade impostada.
Mas a história não acaba aqui. Há ramificações.

Passaram uns doze anos e eu encontro-me no Hospital Materno-infantil da Corunha. O dia anterior, o cinco de Março, nascera o meu primeiro filho, também de nome António. O meu amigo e poeta Pedro Casteleiro sabe-o bem porque ele nasceu o mesmo dia, só que trinta anos antes.
Estou no hall do hospital, num momento de descanso em que leio o jornal. Chego ao obituário, à secção de necrológica e, de repente, reparo numa:




R.I.P

ANTONIO LOZANO
(Panadero de Carral)
Falleció el dia de ayer, después de haber recibido los Santos Sacramentos y los Auxilios Espirituales

Meu avô ainda estava vivo e conheceu a história, que de algum jeito fechava um círculo.
Morreria quatro anos mais tarde, aos 98 anos, um 22 de Maio de 2002, o dia de anos do meu outro avô, e ainda lembro as frases que repetia nos últimos tempos:

- Toda a vida esperando. Esperando a qué?

E também

- Não chego aos 100, como la Reina Madre, porque não me queréis dar Genebra.

Enfim, como para ser sério, avô!

3 comentários:

Esdedesear disse...

Curiosíma !anécdota¡ que tu abuelo vivió y hoy tu nos la cuentas como él contaba otras, también entrelazada con tus propias anécdotas. Curiosísima relación entre "las leyes de la oferta y la demanda de la economía lingüistica" como le llamaba Ciorán, quien también añoraba "un deseo mudo" no mediado por ellas. Me alegro de que la hayas contado, perdona esta subjetivísima interpretación pues en lo tocante a los sentimientos familiares los demás solo podemos hacer interpretaciones subjetivas, claro está. De todas formas ha sido muy divertido leerlas. Gracias.

Anónimo disse...

Pois falando de acasos, desde sempre nos lembrávamos de ti quando a víamos, e sempre tinha vontade de te perguntar ou fazer-te alguma brincadeira. É bem engraçado que teu avó também fosse padeiro!!!
Saúde e, de novo, parabéns por este blog.

Ramiro.

Pedro Casteleiro disse...

Extraordinário, nem tanto para quem te conheça: que sabe que o teu ordinário é de índole invulgar. Mas o que é novo para mim é o saber até que ponto "de casta le viene al galgo"... só que, no teu caso, se sublimarom as tendências -nem sei se por carácter ou virtude- até precipitar-se, mais ou menos, num centro gozoso.
Parabéns por estas sobremesas ao Chíqui, e a todos os comensais.