A audição, o sama, prolongou-se durante uns vinte minutos e os poemas iam e vinham com paragens. Podia reconhecer o primeiro, que era de Rumi mas depois já não consegui identificar mais. Simplesmente me deixei levar pelo ambiente tentando estar receptivo e sem pretensões
Escuta a flauta de cana, como se queixa
lamentando o desterro do seu lar
"Desde que me arrancaram da minha cama de vime
As minhas notas fizeram chorar homens e mulheres
Destrui o meu peito, esforçando-me por desfogar os suspiros
e exprimir as dores súbitas e as saudades pelo fogar
Quem mora longe do seu lar
anela sempre o dia do regresso...
Mas ninguém desentranha os segredos do meu coração...
É o fogo do amor o que inspira a flauta
confindente dos amantes desgraçados...
E assim continuava o longo poema que abre o Masnavi. Mas não percebi que ao acabarem houvesse comentário algum sobre o que tinha acontecido.
Yusuf, um arquiteto que tinha feito boa parte da sua formação na França, falou-me:
- Como verá não é isto como os recitais poéticos ou musicais que se fazem no ocidente ou também aqui no oriente. Não pretendemos um efeito estético, e não o fazemos com a intenção de valorá-lo segundo um critério artístico.
Exactemente era isso o que tinha notado. A execução poética e musical era muito boa mas não deixava um pouso emocional. Confesso que havia algo raro, era como se as emoções habituais ali não funcionassem do mesmo modo. Provavelmente estava relacionado com o estado interno das pessoas que tocavam, recitavam e ouviam. Isso criava um ambiente especial. Para dizê-lo de alguma maneira: os sentimentos não se condensavam en si mesmos, fluiam à superfície como pássaros que procurassem o ar seco e a luz. Não se me ocorre outra maneira de dizê-lo. E isto é, obviamente, uma experiência bastante subjectiva mas que se complementava muito bem com a impressão pessoal de que essas gentes não te transmitiam preocupações, não eram maçadoras. Um podia estar falando com uma pessoa e aos poucos minutos ter dificuldades para recordar o seu rosto. Dirigiam-se a um com franqueza e sem pretensões.
(Continuará)
2 comentários:
Te escucho interesada. Gracias
É essa impossibilidade de narrar com exactidão o que aterroriza aos ocidentais, tão afeitos à razão que furta a capacidade de expandirmos qualquer consciência. Mais uma vez, parabéns pola mente aberta e obrigado por nos transportares com o teu relato.
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