quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Política?


Um dos problemas contemporâneos mais complexos de tratar é o da combinação entre ideologia e condicionamento. Pelo menos dous aspeitos sobressaem: o afã de conversão e a maneira de conceber a cultura como uma forma de propaganda, alimentada por todos os truques comerciais para o seu consumo. É algo profundamente absurdo. As energias que tradicionalmente a religião movilizou na sua autoperpetuação são agora absurdamente imitadas em todos os âmbitos da vida. É dificil hoje em dia expor umas ideias sem que as pessoas não estejam condicionadas a situar-se perante elas desde o posicionamento da aceitação ou a rejeição, sem mais interacção e sem mais observação. Em ausência de conhecimento real criam-se domínios que actuam como territórios estatalizados e estáticos, como os diferentes nacionalismos. Longe de promover uma imbricação conexa, alenta-se uma produtividade autista sem ordem nem sentido, uma fé do carvoeiro com doses de maior pragmatismo mas igualmente cega. O elefante na escuridão é uma luta por defender uma pata contra uma orelha, uma tromba contra um rabo.
Realmente, amigos, são tristes os diferentes nacionalismos, os chauvinismos vários, as novas religiões dos estados e as etnias que irradiam as formas mais tribais do sentido de posse e de identidade.
A cultura é, realmente, agricultura e o moderno sistema só produz mais fome no interior de uma superprodução esterilizante. Tudo isto é bastante literal. E vem a conto de que recebi alguns e.mails perguntando-me sobre questões políticas. Quero responder abertamente:

Considero o nacionalismo uma eiva infeliz para o desenvolvimento da cultura galega, que é a cultura também humana. Sinto ser tão politicamente incorrecto mas estou farto desta monserga. Há um linha tradicional e viva que nos liga ao natal através do vernáculo (e utilizo intencionadamente esta palavra), há um lar, um fogar, um quarto próprio que nos faz despontar um sentir que não pode ser "promovido" "ajudado" e "subsidiado". Quando ,com dezassete anos , lia Pessoa por primeira vez e começava a achegar-me ao português desde o galego ,o que sentia não tinha nada de "político", era como ter descoberto que uma mensagem chega-se ao jovem príncipe que lhe sussurrava ao ouvido: - Acorda, procura a jóia e mata a serpente. Es o filho dum rei. Não es um escravo! Rompe as cadeias e volta a nós. Mas era a conexão com os ancestros e com a dignidade. Eu, digo, lia Pessoa:


No lugar dos palácios desertos e em ruínas
À beira do mar,
Leiamos, sorrindo, os segredos das sinas
De quem sabe amar.

Qualquer que ele seja, o destino daqueles
Que o amor levou
Para a sombra, ou na luz se fez a sombra deles,
Qualquer fosse o vôo.

Por certo eles foram mais reais e felizes.


Pode que o galego desapareça como língua, pode que muitas cousas vaiam neste sêculo desaparecer ou pode que muitas pretendam ficar num museu. Há diferentes tipos de museus no fim de contas. Há museus ambulantes ou vidas artificiais. Que morra o que tenha que morrer.

O futuro do galego, o futuro disto e daquilo. São velhos problemas diferidos para evitar encontrar-se com o verdadeiro problema: um mesmo. Nada que verdadeiramente mereça a pena se perde, é uma lei natural, um postulado da razão prática. Que os que não se conheçam a si mesmos façam projectos de futuro e se metam nesses negócios. Quanto a mim penso que há negócios melhores e mais realistas.

Sou um pele-vermelha criado no bairro da Sagrada Família (classe alta como se vê) e sou gente, como diria Dersu Usala. Não permitirei que me salvem nem que me digam o que devo fazer pelo meu bem. Melhor é nesse caso abandonar o barco e fazer um harakiri honroso porque também sou japonês chegado o caso. Não permitirei que arranjem um falcão para convertê-lo em pombo. E se chega o momento em que os falcões se extingam, enfim, dizei-me o que isso significa, amigos. Eu reconheço que o não sei.

Despeço-me por hoje com um antigo poema que fala de muitas mais cousas das que eu imaginava quando o escrevi há quase vinte anos. Em certas cousas um é monotemático.



Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

(Mário Cesariny)


a noite é um punhal indefeso
uma arma negra
onde os olhos se inclinam

quando te perco entre ruas
de cores cinzentas
a noite me mata: tristemente!

e então eu procuro
no meio de um sangue azul e negro
os teus vidros curtantes
as tuas adagas de seda
as tuas unhas de âmbar

en qualquer rua te encontro,
indefeso e anoitecido,
com um punhal sobre o peito
e finjo, então, desconhecer-te.

as leves ruas sem margem
são como aguarelas de luz
e assim não dormem os peixes
e assim nós não dormimos
de rua em rua
de quarto em quarto
de vidro em vidro
caminhando esquecidos
um rente ao outro

e tu não vês o meu punhal sobre o peito
e eu não vejo as tuas adagas de seda
porque toda a noite é uma arma indefesa
sobre formas escuras
onde sempre te perco

anuncia-se, então, ao dobrar uma esquina
umas unhas de âmbar
e suavemente amanhece
e uns vidros curtantes
ao chegarem o dia
mas eu estou fixo
com a noite no peito
onde sempre te perco.


2 comentários:

Esdedesear disse...

Felicidades. Recuerdo que, cuando nos conocimos, también Lledó trataba de responder a parecidos empecinamientos con explicaciones personales acerca de lo que para él era la diferencia entre lengua matriz y lengua materna.
La lengua matriz, en este caso, es la que me ayuda a salvar las dificultades para entender el idioma en el que escribes y, gracias a ese esfuerzo,poder disfrutar tanto.
Ser políticamente incorrecto (expresión mediática pestilente) me parece lo más correcto que se puede ser ahora y siempre. Un abrazo.

José António Lozano disse...

Cuando era estudiante de 3ºde filosofía hubo un Simposio de pensamiento y filosofia de la época clásica en la Facultad de Historia. Recuerdo como el paraninfo estaba lleno de estudiantes. Cuando llegué vi que en la "tribuna" había muchos lugares vacíos. Tan sólo se sentaban allí profesores de filosofía o de filología clásica que participaban con sus ponencias. Allí estaban Pierre Aubenque, discípulo de Heidegger y gran estudioso de Aristóteles, Felipe Martínez Marzoa, Tomás Gil y muchos más, entre ellos mis propios profesores, como es lógico. Me sente allí, participando activamente en los coloquios, y con momentos ciertamente inspirados. Recuerdo que Pierre Aubenque llegó a pensar que yo era un profesor de la Facultad. Reconozco que mi osadía era grande. Yo llegaba después de haber salido por la noche y allí me veían hablar mis amigos con una convicción que al recordarlo ahora mismo me produce una mezcla de estupor y vergüenza aunque también satisfacción y alegría. Ahora mismo me da la risa.Recuerdo como ataqué a un profesor de Valencia que había defendido una tesis sociológica sobre el clasismo de Heráclito (aquello era ridículo). En fin, el Simposio acabó y un amigo vino a felicitarme por mis intervenciones pero hizo una matización:

- O que não sei é porque não falache em galego.
(obviamente yo había hablado en español en dicho contexto, que por otro lado es mi lengua materna)

Lo mire con una expresión entre dubitativa y escéptica, encogí los ombros y le respondi:

- E tu porque não falache?

Un abrazo, Conchita.